MESTRE JOSIVALDO CABOCLO SE APOSENTA: “Não concordo, não desejo/Continuar como é/No Carnaval é axé/No São João é sertanejo”.
Matéria
de Pablo Dantas
É uma notícia triste, carregada de protesto e reflexão. Josivaldo Caboclo, filho do lendário Poeta Bio Caboclo, é mestre de Ciranda, Coco de Roda e Maracatu. Deste último não mais! Decidiu pendurar as chuteiras, ou melhor, os improvisos do Baque Solto, para enfrentar uma dura realidade: a desvalorização do artista e da cultura popular em Pernambuco. Josivaldo é um homem calmo que, numa boa conversa, consegue expor os graves problemas que afligem a brincadeira popular. Não à toa, há mais de 10 anos ele utiliza os palcos e a poesia para denunciar esse dilema.
Esta aposentadoria precoce do Mestre Josivaldo Caboclo nos revela algo lamentável, com efeito devastador, impondo a derrota, o cansaço, a desistência e o encerramento das atividades de artistas, grupos, instituições e movimentos. A última vez que o Mestre Josivaldo Caboclo cantou, no carnaval, foi no Maracatu Leão Coroado de Buenos Aires, em 2023. Apesar de Recife, na opinião de muitos, ainda sustentar a produção do brinquedo em todo o estado, com concursos e cachês, a cidade de Nazaré ainda carrega o título de Capital Estadual do Maracatu Rural.
Em 2013, no carnaval de Nazaré da Mata, o Mestre Josivaldo Caboclo denunciou o descaso, dessa forma:
Fundarpe preste
atenção
Nas prefeituras
porque
Algumas pagam
cachê
Que não dá pra
condução
Que vergonha, a
tradição
Ser tão
desvalorizada
Na tv ela é
mostrada
Simbolismo de
culturas
Mas, pra certas
prefeituras
Maracatu não é
nada
Nessa nação
cultural
Sobra dinheiro com
fé
Pra pagar banda de
axé
Que toca no
carnaval
E ao maracatu
rural
Querem pagar
micharia
Pernambuco deveria
Tocar frevo até na
balsa
Não ser uma cópia
falsa
Do carnaval da
Bahia
Já em 2023, depois de 10 anos, no mesmo palco de Nazaré da Mata, Terra do Maracatu, o Mestre Josivaldo anunciou sua aposentadoria em forma de protesto, diante da desvalorização que sofre a tradição do Maracatu em relação as culturas de massa que não representam a identidade cultural pernambucana. Num improviso certeiro, disse:
Depois deste
carnaval
Vou pendurar as
chuteiras
Abandonar a
carreira
Do maracatu rural
O que é
tradicional
Vem perdendo a
tradição
Banda de meio
milhão
Ela não me
representa
E pra cultura só
aumenta
A desvalorização
Eu não tenho
preconceito
Se é banda ou
inteira
Mas com a nossa
brincadeira
Por favor tenha
respeito
Mendigar eu não
aceito
Pra tocar em um
festejo
Não concordo, não
desejo
Continuar como é
No carnaval é axé
No são joão é sertanejo
Em conversa com Josivaldo, ele acrescentou: “se não houver compromisso dos gestores com a cultura do carnaval, as novas gerações não vão usufruir da nossa identidade. O carnaval está perdendo a essência. A continuidade está comprometida, não só do Maracatu, mas das outras expressões. A brincadeira do Maracatu é muito cara, demanda um investimento alto e não há o retorno merecido. Então, é preciso que o Estado de Pernambuco faça uma intervenção séria em relação a isso. Assim não há como continuar”.
Uma das questões mais sérias, segundo Josivaldo e tantos outros mestres brincantes, é o orçamento destinado aos artistas da casa. Parece mesmo difícil ver estampado nos aeroportos do país, toda a nossa riqueza cultural de raíz, e ver, ao mesmo tempo, os turistas aplaudindo com alegria aqueles que passam o ano todo para receber um mísero cachê defasado, restando a dívida e cansaço de uma luta sem fim. O que resta para muitos é a aposentadoria precoce.
No famoso álbum, Os Caboclos na Sambada - vol 4, Bio Caboclo e seus filhos, Josivaldo e Josuel, cantam versos com destreza. Na faixa Quem é Bio Caboclo, a família enaltece o brilhantismo do pai e assim iremos encerrar essa matéria, com a poesia do Mestre Josivaldo Caboclo:
És o símbolo da aliança
És a bússola que orienta
És a fonte que alimenta
O carnaval de esperança
O sorriso da criança
E o grito da multidão
És as notas da canção
És o hino Brasileiro
E eu sou o teu herdeiro
Desta linda profissão
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